Me sinto vazia. Já teve vida aqui, mas foi por um breve tempo. Não adianta eu tentar lembrar do passado como se ele tivesse sido bom porque não foi. A maior parte do tempo eu me senti como eu estou me sentindo agora, na verdade pior porque antes eu não tinha com quem falar, ou achei que não tinha. Mas por um breve período de tempo eu tive fôlego, eu lembro.
Eu já trabalhei e estudei muito, mas eu sinto que eu empurrei tudo com a barriga. Só que em 2020 eu lembro, lembro muito bem, de uma Gabriela que deixou o desânimo de lado e fez as coisas mesmo assim. Mesmo sem energia e vigor eu estava lá. Não fiz tudo da melhor forma, como eu gostaria, mas eu estava me esforçando. Eu lembro que o Leonardo falou que faltava eu me esforçar um pouco mais, essas palavras ainda ecoam aqui.
Em 2022 também ganhei vida em algum momento e comecei a correr em direção aos meus objetivos. Eu emagreci, comprei roupas novas e me senti uma nova pessoa, mais determinada. Eu dei os meus primeiros passos em direção ao meu objetivo que era ser psicóloga clínica e abandonar o CLT. Só que eu ganhei todo o meu peso de volta e mais alguns quilos. Eu falhei.
Sinto que eu sou isso, um fracasso. Não existe uma crescente, é uma pequena montanha russa onde eu subo um pouco e logo desço, eu mal me levanto e já não consigo mais ficar em pé.
Eu não sei como sair daqui, não sei porque me falta força de vontade. Antes disso, me falta vontade, me falta saber o que desperta a minha parte adormecida, ou que nunca foi acordada.
Se eu fosse alguém que convive comigo de fora, eu já teria desistido, e é por isso que eu evito oportunar as pessoas com as minhas dores, porque eu não sei apenas conversar, eu quero a atenção e o afeto. Eu quero me sentir amada o tempo todo como se o meu corpo precisasse disso para funcionar, como se o meu coração não batesse sem amor, como se meus pulmões não puxassem o ar se não tiver alguém por perto me amando.
Às vezes até beijar na boca é uma obrigação, porque eu queria ser ninada como uma criança que precisa de colo para dormir e que sem afeto o descanso não vem. Eu sinto que não sei ser mulher porque eu ainda estou presa no passado, esperando que alguém me olhe de verdade e me ame de verdade. Aquela mini Gabriela de cabelos loiros e franja, que mesmo muito pequena sustentava uma máscara de que estava bem, só precisava ser chamada para fazer parte de uma vida que funcionava, que saía e via o mundo lá fora, e não ficava só no sofá na frente da TV esperando a infância passar para que quando eu crescesse eu fizesse alguma coisa a respeito. Só que agora eu já cresci, mas nada mudou.
A minha mãe não me ensinou a viver porque ela não viveu, e o meu maior medo é me tornar como a minha mãe. Às vezes eu falo a besteira pra eu mesma que eu queria que a minha mãe fosse narcisista para eu não aguentar mais e dar um jeito de viver algo diferente, ser uma mulher forte forjada no fogo. O problema é que eu sempre fui colocada no lugar de incapaz, que até para fritar um ovo eu teria que deixar para que ela fizesse por mim porque não é assim que faz. O meu jeito é o jeito errado.
Meu Deus, como às vezes é insuportável carregar o peso da vida. O peso da derrota, do fracasso, de não ter brio para nada.
Tudo o que eu passei até aqui não me fez nem ganhar força de vida nem que seja pelo ódio, mas nem ser muito problemática a ponto de alguém se preocupar, e assim a minha dor passa como invisível porque ela não parece tão preocupante assim, mas aqui dentro dói e me aprisiona.
Eu não sei mais o que fazer para buscar esse amor que eu não sei nem dizer como ele é. Eu não quero colocar isso em cima de outras pessoas porque eu já sou dependente demais do incentivo e aprovação dos outros para oportunar ainda mais as pessoas.
E no meio disso tudo, eu nasci razoavelmente bonita e com um jeito que alguns consideram meigo, então eu sei disfarçar muito bem que eu sou alguma coisa, mas no final do dia só sobra esse vazio, essa pessoa que não é nada.
Não adianta eu mudar para aquele apartamento que eu sempre sonhei e sair desse quarto que tem um chão que sempre me acolheu quando eu estava triste, que sempre foi o meu lar e onde eu sempre orei desesperada porque eu não conseguia suportar tanta tristeza e solidão. O chão que eu ficava deitada chorando com os gritos abafados no travesseiro porque se não meu pai acordava e me batia, minha mãe também.
Eu já chorei na porta do quarto deles querendo que a minha dor fosse ouvida, na tentativa de ganhar colo ou alguém perguntar porque eu choro tanto assim, mas eu sempre ganhava, depois de horas, umas palmadas e uma ordem para ir deitar logo. Ninguém quer ser incomodado com a minha tristeza, e eu entendo porque eu mesma não quero.
Só que eu sempre fui muito pequena e sozinha, minha oportunação parecia ser tanta que eu merecia apanhar mais do que o meu irmão que faz escândalo na frente de casa, bêbado e drogado, porque o meu pai não quer se meter, mas comigo ele se metia, porque o meu problema foi ser meio termo, alguém que não é tão problemática assim, mas também alguém que incomoda.
Não adianta eu mudar para aquele apartamento e levar essa tristeza comigo no peito. Hoje mesmo eu pensei onde seria o canto que eu poderia chorar sem que o meu marido me tratasse como a adulta que eu sou, porque na verdade eu não sou. Eu sou a mesma menina que chora na porta do quarto querendo carinho e implorando para Deus para que os pais parem de brigar tanto. O tempo só passou, eu só envelheci, eu não amadureci em nada.
Não adianta me encontrar em algum lugar e me tratar como uma mulher porque eu só vou fingir que eu sou uma, porque eu preciso de pessoas por perto para aquela dor conhecida não atravessar o peito como se tivesse me matando e me deixasse sangrando no meio de um lugar público e cheio de pessoas.
Talvez se eu emagrecer e me vestir bem eu seja ainda mais aceita e admirada, ou talvez o meu noivo me olhe com olhar de apreciação. Não é sobre ser abandonada, na verdade ficar sozinha seria o caminho mais fácil - mesmo doendo muito aqui dentro, mas é sobre causar admiração. Só que desse jeito que eu estou vivendo, com essa autocomiseração, fica difícil causar encanto para os olhos de quem me conhece a fundo.
Eu não sei como falar, eu não quero falar, eu quero me resolver e aparecer lindamente como uma borboleta que finalmente rompeu o casulo e agora sabe muito bem como viver como a adulta que ela é. Eu quero fazer parte de verdade, porque eu fui considerada por combinar, e não por dó.
Não preciso me resolver sozinha, o problema é que todo mundo que estende a mão eu quero amor e carinho incondicionais, e aí a criança aparece. Não consigo virar uma adulta com a ajuda de outras pessoas.
Eu estou muito cansada e dá vontade sim de não viver mais, mas eu vou continuar aqui, então não precisa se preocupar porque independente de qualquer coisa eu vou ser sempre a garota inofensiva, nem tão problemática, mas também não tão bem emocionalmente. Mas não precisa se preocupar, eu vou me esconder no banheiro para chorar, naquele apartamento novo mesmo, porque eu aprendi desde muito cedo que no banheiro é o melhor lugar para isso.
Eu espero ter um desfecho melhor, que Deus me ajude.